quinta-feira, 11 de junho de 2015

LENDA DO MILAGRE DE OURIQUE

Muito se tem falado, discutido e escrito sobre o milagre de Ourique (O que realmente aconteceu em Ourique ninguém sabe) porem, a nós, interessa-nos apenas o aspeto lendário da história – aquele meio-termo que fica entre a realidade e o sonho, entre o natural e o sobrenatural, entre a banalidade das coisas correntes e a poesia das coisas raras por essa razão, voltando as costas às polémicas acesas em torno do caso, vamos contar apenas a lenda – sem dúvida uma das mais belas do Portugal.
      A batalha de Ourique tem sido considerada por muitos «a pedra angular da monarquia portuguesa». Diz.se que foi ai que pela primeira vez os nobres aclamaram Afonso Henriques rei de Portugal (até à batalha de Ourique Afonso Henriques usava o titulo de infante ou príncipe de Portugal. Só depois desta batalha e os seus homens extasiados com a vitória lhe deram o titulo de rei. Afonso Henriques aproveitou o facto para recorrer ao Papa para que este lhe fosse confirmado. Como este não lho concedeu no tempo e prazo que ele previra, pediu aos seus barões para o proclamarem rei, tal como os seus homens de armas lhe tinham chamado em campo de Ourique)

  Fins de julho de 1130. Afonso Henriques, já com a retaguarda coberta por castelos e cidades cristãs, já na posse de Leiria, de Ourem, Penela, Almourol, Zêzere e cera – que depois adotou o nome de Tomar – julgou-se apto a poder aventurar-se pelo território dos Mouros, levando as suas armas pelo Alentejo. Reuniu os seus homens e lançou-se ao caminho.
    A notícia desta agressão do Infante D. Afonso fez tremer Ismael ou Ismar que então governava esta parte da Península. Os exércitos marchavam um contra o outro. Mas por alturas do Campo de Ourique fez-se alto de ambos os lados. Neste intervalo de tempo, o Camareiro do Infante entrou na tenda do seu Senhor que parecia dormitar, tendo sobre os joelhos um velho testamento.
    Senhor… perdoe se vos acordo…
D. Afonso Henriques nem pestanejou. Aflito que estava, com o rumor dos homens, lá fora, pois começavam a recear a multidão enorme de mouros que estava em frente e à vista, João Fernandes tocou no ombro do vencedor da batalha de S. Mamede.
    Acordai, Senhor!
 O velho testamento caiu no chão. D. Afonso Henriques olhou o seu camareiro como se o tivesse visto pela primeira vez:
   Que me quereis? Estava a dormir… e a sonhar…
   Perdoai-me se vos interrompi… Mas está lá fora um homem velho que vos quer falar.
   Donde vem?
   Vem daqui perto e insiste em ser recebido por vós.
   Se é cristão, pode entrar.
   Está aqui, meu Senhor.
E voltando-se para o velho, João Fernandes indicou com a mão direita a entrada da tenda.
   Por aqui. E não vos demoreis.
 O velho entrou, olhando firmemente Afonso Henriques. Este porem, deu quase um salto no escabelo onde estava sentado.
    Senhor! Acabo de vos verem sonhos! Que me quereis?
    Dizer-vos senhor, que deveis ter bom coração, porque vencereis e não sereis vencido. Sois amado do Senhor, porque sem dúvida Ele pôs sobre vós e sobre a vossa geração os olhos da sua Misericórdia, até à décima sexta descendência, na qual se diminuirá a sucessão. Mas nela, assim diminuída, ele tornará o pôr os olhos e verá! Ele me mandou dizer-vos que na noite que se seguirá a esta, se ouvirdes a minha sineta da ermida, na qual vivo há sessenta e seis anos, guardado no meio dos infiéis por alto favor de Deus – pois como ia dizendo, se ouvirdes a sineta, deveis sair do arraial, sozinho.
   D. Afonso arriscou:
     Devo sair de noite, sem companhia?
     Sim, saireis sozinho, porque ele vos quer mostrar a Sua grande Piedade.
  Senhor se sois um embaixador de Deus, eu vos venero e sabei que que tudo farei para ser digno de tão grande mercê!
  Sem mais palavras, o velho saiu da tenda. D. Afonso veio atrás dele. Em breve o perdia de vista.
  Aproximou-se João Fernandes. Afonso Henriques perguntou-lhe:
  Que dizem os nossos homens?
  Acham uma temeridade o que ides fazer, Senhor! Os sarracenos têm aqui cinco Reis e cinco exércitos para nos combaterem!
    Reúne-os! Quero falar-lhes.
   Era quase noite quando D. Afonso Henriques se dirigiu aos seus homens:
  Companheiros! Nem paz, nem tréguas, nem fuga se nos consente!
É infalível o pelejar aqui. Cinco exércitos nos cercam. Nós não poderemos ter mais ajudas, senão a que nos vier de Deus. Mas nele confio.
   Os homens entreolharam-se sem saber o que dizer. Acreditavam no seu chefe e acreditavam na causa que os trouxera ali.
   O dia seguinte correu sereno. A noite chegou. Nem cá nem no arraial fronteiro havia movimento de tropas. Observava-se um silêncio enervante. De repente, esse silêncio foi cortado pelo som dorido de um sino que tangia ao longe. D. Afonso Henriques curvado, numa oração muda, ergueu-se e dirigiu-se lentamente para fora do arraial. A mão na espada, o olhar vivo e atento, caminhou sozinho. Já fora das vistas dos seus homens e em plena escuridão, o jovem chefe guerreiro deu conta de um raio resplandecente que surgia do seu lado direito. D. Afonso estacou. Mas o raio de luz foi alargando, alargando iluminando tudo em redor. De súbito D. Afonso Henriques distinguiu o Sinal da Cruz mais resplandecente que o sol e Jesus Cristo crucificado nela. De um lado e de outro, anjos vestidos de branco, de um branco que resplandecia também!
  O coração de D. Afonso Henriques bateu forte. Atirou para o chão a espada e o escudo. Descalçou-se em sinal de vassalagem, lançou-se de bruços, com lágrimas a entrecortarem-lhe a voz, o peito arfante perguntou!
   Senhor!... Por que me apareceis?... Que me quereis dizer?... Desejeis acrescentar a fé a quem tanta traz no peito? Se o inimigo Vos pudesse ver, como eu vos estou vendo, talvez esse pudesse acreditar em vós! Por mim, creio que sois Deus Verdadeiro.
   Uma voz serena e bela fez-se ouvir:
Afonso! Não te apareci deste modo para acrescentar atua fé em mim, mas para fortalecer teu coração neste conflito, e fundar os princípios do teu reino sobre pedra firme. Confia, Afonso, porque não só vencerás esta batalha, como todas as outras em que pelejares contra os inimigos da minha Cruz. Vai!
   D. Afonso Henriques ergueu-se. A hora estava tardia e no arraial talvez já tivessem dado pela sua ausência. Tomou o escudo e a espada, e voltou serenamente para a sua tenda. Ao chegar João Fernandes de Sousa e mais três homens da sua confiança esperavam-no com certa impaciência.
    Senhor, como tardastes!
    Estai calmos, que a vitória será nossa. Como estão os nossos homens?
   Bem, Senhor. Ansiosos que a manhã chegue para que seja dado o sinal de combate!
   Pois se estão ansiosos, ide prepara-los. Iniciaremos a luta antes mesmo que a manhã desponte!
  A batalha travou-se, dura. Desde as primeiras horas da manhã até à noite que os soldados de D- Afonso Henriques viam chegar hordas de sarracenos, com se nunca fossem extinguir, eram acometidos de todos os lados: e dir-se-ia que a sorte não ficaria com eles, quando um troço de cavalaria escolhida, caindo sobre a primeira coluna sarracena, a separou do resto do exército, dizimando-a. Perto, andava Ismael, que ao ver completamente derrotada a sua primeira coluna e vendo o arrojo com que os portugueses lutavam, indiferentes ao perigo, prontos a vencer ou morrer, encheu-se de um pavor súbito e fugiu. Então o resto do exército, vendo a fuga do seu rei, seguiu-o em debandada, as forças portuguesas foram-lhe no encalço.
   O desbarato dos sarracenos foi total. Os cinco Reis do inimigo foram derrotados.
   Em campo aberto os soldados de D. Afonso Henriques loucos pela vitória aclamaram-no rei pela primeira vez! E ali mesmo o primeiro rei de Portugal resolveu que a bandeira portuguesa passasse a ter cinco escudos em cruz, representando os cinco Reis vencidos e as cinco chagas de Cristo, carregadas comos trinta dinheiros por que Judas vendeu o Redentor. A 25 de julho de 1139, a vitória de Ourique impôs para todo o sempre as cinco quinas na bandeira de Portugal!

FONTE: LENDAS DE PORTUGAL; VOL 2: Gentil Marques.
               Círculo de Leitores, 1997.

 Coimbra, junho de2015
 Carminda Neves




 




1 comentário:

  1. Está faltando a parte onde nosso rei pede a Cristo que se tiver algum castigo para o povo português, que o execute nele próprio e em sua descendência, de modo a livrar o povo que tanto ama como se fosse seu filho único!

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